Muitos ainda julgam que a ideologia
nazista girou em torno do antissemitismo por acaso, e que desse acaso nasceu a
política que inflexivelmente visou a perseguir e, finalmente, exterminar os
judeus. O horror do mundo diante do resultado derradeiro, e, mais ainda, diante
do seu efeito, constituído pelos sobreviventes sem lar e sem raízes, deu à
"questão judaica" a proeminência que ela passou a ocupar na vida
política diária. O que os nazistas apresentaram como sua principal descoberta,
o papel dos judeus na política mundial e o que propagavam como principal alvo.
A perseguição dos judeus no mundo
inteiro foi considerado pela opinião pública mero pretexto, interessante truque
demagógico para conquistar as massas. É bem compreensível que não se tenha
levado a sério o que os próprios nazistas diziam. Provavelmente não existe
aspecto da história contemporânea mais irritante e mais mistificador do que o
fato de, entre tantas questões políticas vitais, ter cabido ao problema
judaico, aparentemente insignificante e sem importância, a duvidosa honra de
pôr em movimento toda uma máquina infernal. Tais discrepâncias entre a causa e
o efeito constituem ultraje ao bom senso a tal ponto que as tentativas de
explanar o antissemitismo parecem forjadas com o fito de salvar o equilíbrio mental
dos que mantêm o senso de proporção e a esperança de conservar o juízo. Uma
dessas apressadas explicações identifica o antissemitismo com desenfreado
nacionalismo e suas explosões de xenofobia. Mas, na verdade, o antissemitismo
moderno crescia enquanto declinava o nacionalismo tradicional, tendo atingido
seu clímax no momento em que o sistema europeu de Estados nações, com seu
precário equilíbrio de poder, entrara em colapso. Os nazistas não eram meros
nacionalistas. Sua propaganda nacionalista era dirigida aos simpatizantes e não
aos membros convictos do partido. Ao contrário, este jamais se permitiu perder
de vista o alvo político supranacional. O "nacionalismo" nazista
assemelhava-se à propaganda nacionalista da União Soviética, que também é usada
apenas como repasto aos preconceitos das massas. Os nazistas sentiam genuíno
desprezo, jamais abolido, pela estreiteza do nacionalismo e pelo provincianismo
do Estado.
O antissemitismo alcançou o seu clímax
quando os judeus haviam, de modo análogo, perdido as funções públicas e a
influência, e quando nada lhes restava senão sua riqueza. Quando Hitler subiu
ao poder, os bancos alemães, onde por mais de cem anos os judeus ocupavam
posições chave, já estavam desjudaízados, e os judeus na Alemanha, após longo e
contínuo crescimento em posição social e em número, declinavam tão rapidamente
que os estatísticos prediziam o seu desaparecimento em poucas décadas. É
verdade que as estatísticas não indicam necessariamente processos históricos
reais: mas é digno de nota que, para um estatístico, a perseguição e o
extermínio dos judeus pelos nazistas pudessem parecer uma insensata aceleração
de um processo que provavelmente ocorreria de qualquer modo, em termos da
extinção do judaísmo alemão.