FORMANDO UM POVO E GERAÇÃO PADRÃO.
A
formação de um povo não é um acontecimento da natureza, mas um processo
histórico que se baseia no nível da consciência das pessoas e dos grupos de
pessoas que dele participam. Pessoas de origem e característica diversas
conscientizam-se dos elementos que têm em comum, seja lá em que consistam: em
destinos comuns, língua e cultura comuns, religião comum. Querem agregar-se, e
rejeitam a outros que não fazem parte ou que não devem fazer parte. Esses
processos de assimilação e dissimilação deixam rastros na consciência do povo
que se formou. É de se esperar que tais rastros encontrem expressão na tradição
do povo. No que se refere a Israel, o AT de fato contém respostas para a
pergunta pelo distanciamento em relação a pessoas e grupos de pessoas estranhas
e pela ligação com as aparentadas ou afins. Trata-se, porém, de respostas que outra
coisa não era de se esperar — estão revestidas pelo manto da saga ou do extrato
de saga na forma de notas e listas. Faz parte da essência da saga reduzir e retratar
simplificadamente desdobramentos e constelações históricos complicados. Por
isso as afirmações que Israel faz de si mesmo sobre esse tema se apresentam
como afirmações sobre as relações de parentesco, de amizade e de inimizade de
seus pais. O caminho percorrido pela tradição da saga é o seguinte: cada grupo
de pessoas, cada povo, cada comunidade humana, seja lá que características
tiver — inclusive o próprio Israel — é feito remontar a um ou mais ancestrais
fictícios. Se tiverem o nome do grupo que representam, esses patriarcas se
chamam epônimos. Esse procedimento oferece a possibilidade de apresentar o
parentesco dos povos e das comunidades entre si e suas distinções de outros na
forma de genealogias dos ancestrais e de marrá-los em sagas de amizades e
inimizades dos pais. Por trás disso está o pensamento genealógico,
profundamente enraizado na Antiguidade, em especial na Antiguidade oriental: o
interesse de compreender e de representar plasticamente as macro- relações
humanas em analogia às micro- relações humanas..
Trata-se de um enfoque microcósmico do macrocosmo do mundo das nações e das
pessoas, uma redução ingênua e irrefletida da multiplicidade de fenômenos e
processos históricos. Sobre o modo de pensar dos povos do Oriente Antigo, e com
isso também sobre o de Israel, pesa a obrigatoriedade da associação das
famílias e dos clãs. Ela determina sua consciência e faz com que acontecimentos
históricos complicados apareçam de forma
simples como reprodução, amizade e inimizade.