quinta-feira, 25 de setembro de 2014

   
       O MITO COSMOGÔNICO  EM ELIADE

      É o mito cosmogônico que relata o surgimento do Cosmos. Na Babilônia, no decurso da cerimônia akitu, que se desenrolava nos últimos dias do ano e nos primeiros dias do Ano Novo, recitava se solenemente o “Poema da Criação”, o Enuma-elish. Pela recitação ritual, reatualizava-se o combate entre Marduk e o monstro marinho Tiamat, que tivera lugar ab origine e que pusera fim ao Caos pela vitória final do deus. Marduk criara o Cosmos com o corpo retalhado de Tiamat e criara o homem com o sangue do demônio Kingu, principal aliado de Tiamat. A prova de que essa comemoração da criação era efetivamente uma reatualização do ato cosmogônico encontra-se tanto nos rituais como nas fórmulas pronunciadas no decurso da cerimônia.


     Com efeito, o combate entre Tiamat e Marduk era imitado por uma luta entre os dois grupos de figurantes, cerimonial que se repete entre os hititas, enquadrado sempre no cenário dramático do Ano Novo, entre os egípcios e em Ras Shamra. A luta entre os dois grupos de figurantes repetia a passagem do Caos ao Cosmos, atualizava a cosmogonia. O acontecimento mítico tornava a ser presente. “Que ele possa continuar a vencer Tiamat e abreviar seus dias!”, exclamava o oficiante. O combate, a vitória e a Criação tinham lugar naquele mesmo instante,  Visto que o Ano Novo é uma reatualização da cosmogonia, implica uma retomada do Tempo em seus primórdios, quer dizer, a restauração do Tempo primordial, do Tempo “puro”, aquele que existia no momento da Criação. É por essa razão que, por ocasião do Ano Novo, se procede a “purificações” e à expulsão dos pecados, dos demônios ou simplesmente de um bode expiatório. Pois não se trata apenas da cessação efetiva de um certo intervalo temporal e do início de um outro intervalo (como imagina, por exemplo, um homem moderno), mas também da abolição do ano passado e do tempo decorrido. Este é, aliás, o sentido das purificações rituais: uma combustão, uma anulação dos pecados e das faltas do indivíduo e da comunidade como um todo, e não uma simples “purificação”.


   O Tempo de origem por excelência é o Tempo da cosmogonia, o instante em que apareceu a mais   vasta realidade, o Mundo. É por essa razão que a cosmogonia serve de modelo exemplar a toda “criação”, a toda espécie de “fazer”. É pela mesma razão que o Tempo cosmogônico serve de modelo a todos os Tempos sagrados: porque, se o Tempo sagrado é aquele em que os deuses se manifestaram e criaram, é evidente que a mais completa manifestação divina e a mais gigantesca criação é a Criação do Mundo.